domingo, 6 de novembro de 2011

Grafite é Arte?

Uma lata de spray na mão, um muro ou fachada, talento e criatividade – grafite é arte? Para alguns, sim, para outros, não. Manifestação visual tipicamente urbana – na forma de desenhos, contemporâneos ou não –, iniciada como movimento social na Europa e nos Estados Unidos, nos anos 70, difundiu-se pelo mundo, constituindo uma importante cultura, à parte de qualquer definição artística conhecida anteriormente. Embora sua origem e aparência ainda provoquem preconceitos e dúvidas, aos poucos o talento de alguns grafiteiros vai se impondo e mudando o status do que era apenas transgressão. Três deles, reconhecidos internacionalmente, saíram das ruas da cidade de São Paulo: Eduardo Kobra e os irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, que assinam suas obras como Osgêmeos. Diferenciando-se da execrada pichação, o grafite ganhou até nome novo: street art ou, na versão brasileira, “arte urbana”. E, assim, vai invadindo galerias de arte e museus, como o Masp, em São Paulo.


Grafite anônimo na região central da cidade de São Paulo

Talvez a cidade mais grafitada do país, a capital paulista começou, este ano, a liberar as laterais de edifícios – que, antes da Lei Cidade Limpa, estampavam enormes anúncios publicitários – para grafites e murais. A prefeitura abrirá uma brecha na legislação para que as obras possam ser financiadas por empresas privadas. Em troca, estas poderão ter uma menção à sua marca na mesma fachada, no tamanho máximo de 40 cm de altura por 60 de largura, por três anos, sem renovação. Os desenhos poderão fazer menção indireta ao produto do patrocinador, mas não ser o tema central. Alguns projetos-piloto já podem ser vistos, como o de Osgê­meos, em um prédio do Vale do Anhangabaú; um mural de Eduardo Kobra, na avenida Tiradentes; e um de Daniel Melim, na avenida Prestes Maia. Outros locais já estão autorizados a expor obras.
Apesar do reconhecimento, Kobra não acredita em mudança de status. “Existe uma confusão a respeito. Ele sempre será irregular, pois se autorizar não será mais grafite”, explicou. Segundo o artista, não é a classificação que se está alterando, e sim a mentalidade das pessoas. “O conceito de arte é muito amplo, portanto não é tão simples dizer que o grafite pertence a esse âmbito. Agora, a população apenas reconhece o que sempre foi óbvio: não é necessário estar em uma galeria ou ser formado em artes plásticas para ser artista. A cidade de São Paulo é prova disso”, afirmou Kobra.  
Proprietário do Studio Kobra, desde pequeno o artista já se interessava por desenhos. Depois de 24 anos pintando muros e fachadas, suas obras podem ser vistas em cidades como Atenas, Londres, Paris e Rio de Janeiro, além dos diversos murais realizados em ruas e estabelecimentos de São Paulo, muitos deles reproduzindo cenas antigas da cidade e, dentre essas, algumas em estilo de tromp l´oeil. Atualmente suas produções em 3D, como a da Praça do Patriarca, demonstram a criatividade e a inovação possíveis no campo.

Grafites na cidade de São Paulo
Avenida 9 de Julho (anônimo)


Av. 23 de Maio (Osgêmeos)



Bairro da Liberdade (anônimo) e Bairro da Liberdade (anônimo)

Os gêmeos Gustavo e Otávio também desenham desde a infância, no bairro paulistano do Cambuci. Adolescentes, descobriram o grafite e, em 1995, fizeram a primeira exposição, no Museu da Imagem e do Som (MIS). A partir daí, receberam convites para trabalhar na Alemanha, Estados Unidos, Chile, Cuba e em diversos países europeus. Em 2007, fizeram uma de suas obras mais famosas: pintaram a fachada do Castelo de Kelburn, na Irlanda, juntamente com outros dois artistas. Em Nova York, um mural pintado pela dupla recebeu a seguinte definição do jornal The New York Times: “Fantástico e épico; um sonho de felicidade traçado à melancolia. Realismo fantástico”. Recentemente, pintaram também os trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
Além de Kobra e Osgêmeos, dezenas de outros artistas anônimos colorem a cidade de São Paulo. Alguns lugares já se tornaram points, como o movimentado túnel conhecido como “Buraco da Paulista”, que interliga a Avenida Paulista à Avenida Doutor Arnaldo e à Avenida Rebouças. Na rua Amaral Gurgel, as colunas da via expressa Elevado Costa e Silva, conhecido como “Minhocão”, exibem também inúmeros grafites.  

Alguns murais de Eduardo Kobra - impressionantes - na cidade de São Paulo


Avenida 23 de Maio

Esquina das ruas Fradique Coutinho com Purpurina, na Vila Madalena 


Avenida Hélio Pellegrino

Beco do Aprendiz
O Beco do Aprendiz, localizado entre as ruas Padre João Gonçalves e Belmiro Braga, na Vila Madalena, é, praticamente, uma galeria de arte a céu aberto. O local começou a ser usado pela Ong Associação Cidade Escola Aprendiz, em 1999, como parte do projeto “Cores da Vida”, que ensina jovens a grafitar. No ano passado, em parceria com uma empresa de tintas, o projeto “Murada”, da associação, revitalizou o Beco. Com a ajuda de grafiteiros já experientes, como Pato, Prozak, Boleta e Ciro, as regiões paulistanas – Norte, Sul, Leste e Oeste – foram representadas nos muros.
E o grafite começa a invadir também áreas particulares. Bares, lanchonetes, residências, metrôs, trens e até um hospital já exibem em suas paredes obras de grafiteiros. Porém, a institucionalização remete à questão que Kobra levanta: se é autorizado, ainda é grafite?

                                                                                                                           

 Revista Ser Médico

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